quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Sessão Plenária Mesa Redonda: “Quo vadis Aprendizagem a Distância?”



Dia 05 de setembro de 2007 – 10h

Moderador: Frederic Litto – ABED
Santiago Castello Arrendondo – Espanha
Mohamed Ally – Canadá
Sugata Mitra – Índia
Michael Moore - EUA

A ABED é conhecida pelos bate -bolas que promove em seus eventos. Encontros acadêmicos costumam ter formas mais rígidas de debates, mas na ABED o bate-bola é mais informal e sempre faz parte de seus eventos. O moderador faz perguntas provocativas e espera dos participantes da mesa respostas rápidas.
Primeira pergunta do professor Litto: “Tenho participado de encontros de EAD onde o tema de “open education resources” tem sempre sendo discutido: pequenos conteúdos organizados que são apresentados em meta datas, disponibilizados na internet e que passam a poder ser acessados livremente e de graça. Um exemplo atualmente é o do MIT que já oferece 9000 horas de material de seus cursos livre na internet. Neste sentido, as universidades particulares seriam pagas para a certificação, visto que com o conteúdo livre e acessível na internet o aluno seria capaz de livremente aprender conteúdos e desenvolver habilidades. O que vocês acham dessa idéia?”

Sugata Mitra: A idéia é interessante, mas precisamos analisar para que tipo de conteúdo este método é pertinente. Será que este modelo se aplica a todos os conteúdos? É preciso analisar que tipo de conteúdo pode ser aprendido deste modo.

Mohamed Ally: Do ponto de vista do estudante, o conteúdo já é livre. Do ponto de vista do professor, um único material produzido pode ser compartilhado em todo o mundo. O conteúdo de certa maneira já é livre por causa do Google e da internet.

Santiago Arrendondo: Do ponto de vista da aprendizagem, já temos muito mais acesso ao conteúdo por causa da internet e tudo que nela pode ser colocado e encontrado pelas ferramentas de busca. Uma das perguntas mais urgentes que preocupam ao governo diz respeito à legitimidade dado a este tipo de conhecimento e qual o resultado desta aprendizagem. Qual a competência demonstrada pelo estudante? Ele está qualificado e pode ser certificado para exercer as funções a que se propõem?

Michael Moore: Você fez referência a pequenos conteúdos, cambiáveis, reutilizáveis, e neste momento eu pensei: eu acredito nisso – objetos de aprendizagem compartilháveis. Se alguém faz um bom trabalho sobre um tema, este objeto de aprendizagem pode ser compartilhado e ser reutilizado por diferentes instituições e cursos em torno do mundo. Seguindo adiante neste assunto, as pessoas vão a Harvard para ouvir alguém de prestigio. Neste modelo, as pessoas não precisariam mais ir a Harvard por causa do conteúdo, mas por causa do professor. É preciso separar o conteúdo das metodologias de produção de conhecimento. Neste modelo, as instituições devem ser responsáveis pela organização do conteúdo, pela metodologia, pela certificação, e não pelo conteúdo.

Nova pergunta do Professor Litto: “Um amigo meu foi a Índia dar um curso e um aluno da platéia perguntou: este curso q você vai dar é no mesmo nível do oferecido pelo MIT, disponível na internet? Assim a gente se dá conta que existe um novo padrão de qualidade, agora vindo dos próprios alunos que tèm acesso a estes conteúdos e podem exigir tal padrão de qualidade em diferentes ambientes. Então, se uma instituição coloca seus cursos online, com conteúdos disponíveis, o que acontecem com os demais cursos, não disponíveis online?”

Sugata Mitra: Um exemplo: diferentes programadores tiveram que conhecer a programação dot.net para se adaptar ás inovações no campo da informática. Percebi que na Índia as pessoas estavam aprendendo rapidamente esta linguagem e enfim notei que garotos de 18 anos estavam disponibilizando conteúdos para outros garotos de 18 que aprendiam através deles. Existem diversas formas de aprender.

Mohamed Ally: Percebo que o conhecimento está sendo produzido em espaços abertos. Existe a perspectiva de uma realidade na qual o aluno diz o que quer aprender e o sistema organiza os conteúdos através do qual este aluno vai aprender e no final este aluno é avaliado e se certifica.

Santigo: Penso que estamos discutindo para onde vai a aprendizagem. O que vamos desenvolver no campo da educação? Tenho um pensamento um pouco diferente do que o que foi dito até agora. A aprendizagem é prioritária. O acúmulo de fontes de informação é indispensável, mas a capacidade de aprender das pessoas, nossas capacidades intelectuais não avançam tanto, nem avançam junto com os chips e a tecnologia. Quais são as questões didáticas das novas tecnologias. Em que medida a aprendizagem se vê facilitada? Alguns aspectos não estão sendo analisados. Por exemplo: qual a capacidade das pessoas de selecionar os conteúdos disponíveis na rede? Existem sites onde se pode baixar ou montar qualquer tipo de trabalho que se queira, por exemplo. Está em questão a qualidade da aprendizagem, assim como a legitimidade desta aprendizagem. Devemos diferenciar se estamos falando em aprendizagem de pós-graduação, aprendizagem formal em nível universitário, aprendizagem de ensino médio, ou se é um modelo de ensino livre, informal sobre qualquer tema. Se estamos falando de uma habilitação formal que exige competências praticas de trabalho, a situação é diferente. É preciso analisar estas diferenças e aprofundar estas questões.

Michael Moore: neste Eu espero que os alunos se tornem sofisticados o suficiente para perceberem que as instituições hoje não são mais o que eram antes. As universidades têm feito um grande trabalho em promover sua imagem. Mas digo que fui a Harvard, e o que eles falam de EAD lá é muito incipiente...

Litto: Muitos de vocês conhecem Santos Dumont. Ele criou a idéia de um relógio colocado no pulso. A questão de padrões dominantes é muito interessante no campo da tecnologia. Quando falamos em LMS, a questão de repete: estamos perto ou longe de termos um padrão tecnológico para LMS? Estamos perto ou longe se um sistema seguro para este tipo de plataformas?

Michael Moore: Acho que estamos muito longe de estabelecermos este padrão dominante. Os LMS me parecem muito rudimentares. Acho que estamos muito longe de uma tecnologia inteligente para isso.

Santiago: Felizmente não há maquinas de ensinar. Skinner tentou e não conseguiu. A dúvida da época era: com essas máquinas, o que vai ser do professor? Anos passaram e todos sabem que o professor é insubstituível. Muito mudou no ensino, mas os protagonistas são os mesmos: professores e alunos. Toda revolução da tecnologia da internet é similar a de Gutemberg, e todos temos que nos adaptar a esta realidade, mas também os tecnólogos tem que ir adaptando seus produtos ao potencial real intelectual dos indivíduos. E-learning acabou sendo “a solução”, mas agora vemos que é necessária uma mescla de impresso, encontros presenciais, outros recursos... Precisamos ver que, sim temos esta tecnologia, mas temos que ver os efeitos disso em nossos alunos.

Mohamed: Hardwares e softwares foram feitos para negócios, como falamos ontem, não para educação. Acho que o problema com LMS é o mesmo. Precisamos criar melhores interfaces, pois muitos educadores acham difícil usar esta interfaces feitas por pessoas de fora do meio pedagógico. Educadores precisam participar mais do desenvolvimento e criação de LMS.

Sugata Mitra: LMS não se tornam o que deveriam ser também porque aquilo para o que eles deviam servir também está mudando o tempo todo. Algumas aprendizagens não exigem professor: andar de bicicleta, usar celulares, por exemplo. Já no uso do computador, professores são necessários. Se não existem escolas para ensinar como usar maquinas de lavar, por que precisar de professores para computadores? Por que não desenvolver computadores e sistemas que não precisem ser ensinados?

Pergunta do Professor Litto: Vivemos em uma mentalidade onde educação tem uma posição sacrossanta. Aprendemos a viver em função dos modelos ensinados pelos professores. Há alguns anos, James Taylor falou em diferentes lugares sobre um sistema online de aprendizagem onde o professor só participa quando chamado, porque tudo estava organizado na base de dados e acessível diretamente pelo aluno. Esta é a nossa realidade atual: a educação sagrada de um lado e um modelo de acesso livre de outro. Para onde estamos indo?

Michael Moore: EAD é como um ônibus: depende do motorista para definir a direção que ele vai. O rumo da EAD é definido pelas instituições, professores, alunos e seus valores dependem destes níveis de participação. Já sobre a segunda parte da pergunta, não tenho dificuldade de entender um processo de aprendizagem sem professor. Talvez isso seja aplicável a um pequeno número de conteúdos e para um pequeno número de alunos, mas isto diz respeito a opções estratégicas da EAD. Qual o modelo da EAD? Baixo custo que atenda da melhor maneira a uma demanda educacional. O modelo mais caro é o presencial. Alunos merecem um melhor modelo educacional e a sociedade precisa disso também.

Santiago: retomo a questão de que as tecnologias não foram criadas para atender ao campo educacional, mas aos negócios. Precisam ser desenvolvidas tecnologias para a educação. Mas eu não acho que o professor vai desaparecer. O que vai desaparecer é a figura endeusada do professor. Lembro de fazer reverència ao professor. Hoje na Espanha um professor é qualquer coisa. O que estamos assistindo é a liberação de um setor. Há alguns anos quem imaginaria que a telefonia estaria nos modelos de hoje? E as linhas aéreas? Também a educação esta passando por essa liberalização. Assim, com esta mudança, necessariamente muda a imagem do professor. Mas digo: me ensinaram a andar de bicicleta – e eu caí menos do que aqueles que aprendem sozinhos. Os aparelhos tecnológicos vêm com um manual. Eu olho lá para saber em que botão tocar. Vejo que o que está acontecendo é uma redefinição do que é o professor. Na Bolívia já não se chama professor ou mestre, mas facilitador. Vemos uma atualização do que é a imagem do professor.

Mohamed: acho que uma das maiores invenções é a do computador. A educação deve fazer mais uso do computador. Devemos colocar o conhecimento do professor e do tutor dentro do computador para que ambos estejam mais livres para cuidar de diferentes aspectos do processo de aprendizagem do aluno. Tenho experiência de cursos onde diversos alunos nunca me procuraram como tutor do curso e foram bem. Acho que o trabalho repetitivo deve ser colocado no computador, porque ele tem condições de saber o que fazer com isso.

Sugata Mitra: quero dizer que gosto de professores, e que eles nunca vão desaparecer! Alguns exemplos: crianças nunca lêem manual, mas eles aprendem a usar a televisão. A questão que quero deixar é: é preciso aprender a fazer coisas que máquinas já são capazes de fazer? A calculadora, por exemplo. É precisão saber fazer cálculos matemáticos, se a calculadora já pode fazer? Pensemos na possibilidade de termos Google no bolso? Pense quanto tempo eu poderia fingir ser um médico. Eu acho que durante anos...

COMENTÃRIOS DE CARLY MACHADO: Em termos gerais, é interessante observar nas falas dos diferentes participantes deste debate que: o professor Santiago fala sempre de seu lugar de Pedagogo, entendendo a figura do professor de forma central no processo ensino-aprendizagem, independente de suas possíveis mudanças de papéis. Ele não entende que a tecnologia tenha um potencial pedagógico per se, e se preocupa com esta perspectiva. Professor Mohamed Ally defende uma idéia mais radical, de que a tecnologia pode cumprir diversas funções didáticas, principalmente as mais mecanizadas, e entende que a figura do professor é bem mais dispensável do que parece. Professor Sugata Mitra relê a função do professor, mas não da mesma forma que o professor Mohamed. Enquanto Mohamed vê o potencial didático da tecnologia, Sugata Mitra fala do ponto de vista dos sistemas auto-organizativos de aprendizagem, entendendo que diante do computador os alunos podem exercer sua autonomia de aprendizagem, mas sempre destacando que esta realidade é aplicável a determinados conteúdos, mas não a todos.

Por Carly Machado

Um comentário:

Anônimo disse...

É interessante perceber a discussão sempre girando em torno da importância, ou não, do professor no processo de aprender e ensinar à distância. Alguns acreditam que o professor é insubstituível no processo de ensino-aprendizagem, outros encontram-se suspensos em suas posições. Na pedagogia de Paulo Freire a educação autêntica só se faz com o diálogo, com participação colaborativa entre os sujeitos, uma educação de valores éticos, para a conquista da cidadania e esta dialocidade precisa acompanhar as mudanças do mundo contemporâneo. É interessante quando o professor Litto pergunta sobre a dessacralização da educação, onde a ação de educar estaria dividida entre a tradicional e a anarquista. O filósofo Pierre Lévy, considera a escola uma instituição que há cinco mil anos se baseia no falar-ditar do mestre, no entanto, seu papel social é criar possibilidades para a interatividade. Quando Sugata Mitra relata, que um jovem de dezoito anos estava aprendendo-ensinando a partir da sua relação com o ciberespaço, fica ainda mais presente a proposta freireana que ninguém ensina nada a ninguém, e que todos aprendem em comunhão. Mitra e Mohamed, ao dialogarem sobre a questão de desenvolvimento de softwares, entram nos limites dos conhecimentos específicos sobre tecnologias na formação docente, quadro que precisa de uma discussão à parte. Hoje, o modelo de educação básica continua ultrapassado, ainda com disciplinas lineares e espaço/tempo limitado, existe o discurso da transversalidade, mas sua prática esbarra no cenário de uma escola do século XIX, um professor formado no século XX, e jovens alunos aprendizes no século XXI. A Educação à Distância caminha a um futuro promissor, cabendo aos sujeitos da aprendizagem à abertura ao diálogo, pois o ciberespaço permite a relação interpessoal, podendo desenvolver atitudes, valores e sentimentos, paralelamente aos conteúdos específicos disciplinares.

Por LINDOMAR DA SILVA ARAUJO